No Ate Ilê Ofun, a obra nasce de duas forças: a história sagrada e o toque da mão. Estudamos os itans, escutamos os materiais e só então decidimos o caminho. Exu abre passagens: início, resposta, passo firme. Oxalufã dá forma e sossego: branco atento, calma que organiza.
Da união dos dois, vem a matéria: cabaça, cobre, búzio, sisal cru e madeira nobre. Não são enfeites; são sentido. A instalação foi pensada em eixo: os Adês, no centro, falam como duas vozes que se olham; o Opaxorô (esq.) e o Ogó (dir.) erguem o corpo da obra. A cabaça aparece em base, forma, fragmento e encaixe — contando, por etapas, a mesma história.

O conceito nasce do cruzamento de dois itans: Exu ganha o poder sobre as encruzilhadas — ninguém passa sem saudá-lo — e Obatalá molda o homem a partir da terra. A obra assume esse diálogo como estrutura: movimento e forma, resposta e serenidade, caminho e criação.
A cabaça foi eleita matriz por unir origem e arquitetura: pode sustentar, pode se fragmentar e pode encaixar. O cobre, o búzio, a madeira e o sisal não foram escolhidos pelo efeito, mas pelo que dizem: passagem e vigilância, destino e escuta, permanência e ancestralidade, ligação com a terra.
O desenho espacial privilegia respiros superiores, evitando peso excessivo no centro. Assim, o olhar percorre do cobre (Exu) ao branco (Oxalufã), retorna aos Adês e só então repousa nos detalhes do Opaxorô e Ogó.

O Opaxorô assume curvatura de reverência e sabedoria. Dois cascos de igbìn dão sensação de marcha; dois cabos unidos falam do par Oxalá–Odudua. O chocalho ritual (16 cascos) traz a vibração de Oxaguiã e dá ritmo à leitura. Sustentações em cabaça reforçam estrutura e linguagem. Ao centro, uma cabaça palhada propõe a ideia de “Adê dentro do Adê”.
As conchas usadas não são aleatórias: a seleção considerou textura, brilho contido, variação de borda e adequação cromática ao Ofun. O resultado é um cajado que sustenta presença sem esmagar a visão — firme, mas com leveza de rito.

Ogó de procedência africana, com madeira clareada para harmonia geral. Foi dividido em duas artes para ajuste de massa e repousa em cinco cabaças com seleção de diâmetros. A “fatia” de cobra conversa com o cobre do Adê de Exu, criando linha de energia que liga base e coroa. O sisal aparece apenas neutro — quizila de Oxalá preservada.

O Adê de Oxalufã foi pensado para ser múltiplo e disciplinado. O círculo central representa a Terra, partitura da criação. Fragmentos de cabaça foram curados, cepados e encaixados como mosaico controlado, evocando a embriaguez de Oxalá (queda, perda da missão, recomposição). As conchas — de duas espécies — foram distribuídas por leitura de brilho, curvatura e volume para não competir com o Ofun.

Complementar ao de Oxalufã: base em cabaça inteira (integridade), cobre cortado geometricamente (passagem, vigilância), sete búzios brancos (fundamento do Odu). A estética é de simplicidade sóbria: sem excesso de massa, com clareza de contorno e pontos de brilho contidos no cobre.

O croqui nasce como registro do itan: linhas rápidas, marcação de eixo e massas aproximadas de cabaça, cobre e madeira. É a etapa de descoberta, em que a obra conversa com a mão e o papel revela possibilidades de ritmo e proporção.



O traço é consolidado: contorno, respiro, ângulos e encaixes. A cabaça se firma como matriz; o cobre encontra a sua diagonal; o búzio define posição para leitura frontal. Ajustes finos testam equilíbrio, peso visual e linhas de fuga.


O croqui final já apresenta a obra com precisão: hierarquia, volumes, respiros e luz. É o espelho gráfico da escultura — fundamento em forma — pronto para orientar a etapa material.

Este conjunto não busca o efeito fácil; ele assume a responsabilidade de ser fundamento tornado forma. A escolha de cada material carrega uma oração: cabaça (vida/ventre/origem), cobre (passagem/vigilância), búzio (destino/escuta), sisal cru (terra/neutralidade), madeira nobre (permanência/ancestralidade). Ao acolher esta obra, você passa a conviver com um eixo simbólico que respeita rito, tempo e memória — e que sustenta presença silenciosa no cotidiano.